Ideias para melhorar a democracia
Num país desigual e racista, dá para falar em democracia plena? Ouvimos 12 organizações que refletem sobre a falta de acesso à cidadania — e apontam caminhos de mudanças
O dia 14 de maio ficou marcado na memória de Ana Paula Oliveira como o dia em que Johnatha, seu filho, saiu de casa para nunca mais voltar. Ela e o menino viviam na favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro. Era uma quarta-feira e Johnatha, de 19 anos, tinha duas missões: levar a namorada para casa e, dali, fazer uma parada na casa da avó, para quem levaria uma travessa de pavê. Um trajeto simples, que foi interrompido pelo tiro de um policial. O projétil atingiu Johnatha nas costas. O ano era 2014, e o policial autor do disparo atuava numa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP): uma estratégia de policiamento de base comunitária que, quando adotada em 2008, fora apontada pelo governo fluminense como a solução para reduzir casos de violência e tiroteios nas favelas da cidade.
Desde aquela data, há oito anos, os nomes de jovens negros mortos pela bala de policiais se sucedem: Ágatha Félix, João Pedro Matos Pinto, as primas Emily e Rebecca. Como é a democracia num país onde pessoas com a mesma cor da pele de Johnatha representam 77% das vítimas de homicídios? Ou num país onde mulheres negras são 28% da população — e menos de 2% dos deputados federais e senadores eleitos? Como é a democracia num país em que povos indígenas temem ser expulsos de suas terras ancestrais? E que concentra a terceira maior população carcerária do planeta?
Na Grécia Antiga — que inventou o conceito — a democracia era definida como “governo do povo”; as decisões eram tomadas pelos cidadãos. Mas a cidadania, naquela época, não contemplava mulheres, estrangeiros e escravos. Hoje, a maioria numérica ainda não se sente contemplada por direitos que a democracia, em tese, garante. Muitos deles — o direito à vida, à demarcação de terras indígenas, à representação política, reafirmados na Constituição Federal de 1988. Como mudar esse cenário?
Em ano de eleições, a plataforma Brasil de Direitos conversou com 11 organizações sociais que atuam em todo o país (a lista completa você encontra no final deste texto). São grupos que combatem violações e lutam para promover direitos. Que trabalham, cotidianamente, para construir um país diferente — mais justo e democrático para todas e todos. Acompanhar seu trabalho ajuda a entender duas coisas: se, por um lado, o Brasil tem problemas, por outro, há pessoas (e grupos de pessoas) cujo trabalho cotidiano é lutar por um país mais inclusivo.
A seguir, essas organizações apontam quais os principais desafios da democracia brasileira hoje. São percalços que o próximo governo (e os que vierem depois) terá de enfrentar. Apontam, também, propostas de solução. Caminhos que o próximo governo — e os seguintes — poderiam seguir.
Ideias para combater a violência de Estado
O cenário
No Brasil de 2022, a maioria dos jovens mortos pela polícia é negra e pobre. Era o caso de Johnatha. O preconceito, diz Ana Paula Oliveira, mãe do rapaz, está embrenhado nas instituições. “A nossa luta não é somente contra o policial que puxa esse gatilho, é contra todo esse sistema que encarcera negros e pobres”, diz ela, que aguarda, há oito anos, pela data que vai marcar o júri popular do acusado pelo assassinato, o policial militar Alessandro Marcelino de Souza.
Ana estava dentro de um mercadinho quando ouviu os tiros que mataram o filho. O jovem morreu antes de entrar na Unidade de Pronto Atendimento. O que ficou na lembrança foram as últimas palavras trocadas na despedida e a imagem de um Johnatha sorridente, na companhia da namorada, com a travessa de pavê nos braços.
O histórico de violência da polícia contra moradores de Manguinhos culminou na criação do Mães de Manguinhos, movimento de apoio às mães das vítimas – do qual Ana Paula é cofundadora. “O movimento surge no momento em que meu filho é assassinado. Ele não vai ser só mais um número da estatística de violência. Eu vou ser a voz dele”, afirma.
O Mães de Manguinhos acolhe as mulheres e mantém viva a memória das vítimas. Organiza formações políticas, para que conheçam seus direitos. “A violência não atinge só uma pessoa. É uma família inteira que adoece, se desestrutura”, diz Ana. Ela acompanha os relatos de mães que, em sofrimento, ficam doentes e perdem os empregos. Por isso, defende o acesso a reparação financeira e políticas públicas para a reestruturação das famílias.
A violência praticada pelo Estado tem ainda outra face. As políticas de segurança pública matam mais pessoas negras. São elas, também,as que mais vão para a prisão. Entre estudiosos, o fenômeno recebe o nome de seletivismo penal. Para Maria Clara D’Ávila, assessora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco, encerrar esse ciclo de violência e encarceramento exige repensar a política de drogas aplicada no Brasil. “Não tem como combater o racismo no sistema de justiça criminal se não mudar a política de drogas”, afirma. Hoje, 66% da população carcerária brasileira é de pessoas negras. E 30% das pessoas encarceradas foram presas sob acusação de tráfico de drogas.
Na avaliação dela, a guerra às drogas impactou, especialmente, as populações que vivem em periferias e favelas. Superar esse quadro demanda que a política de drogas seja pensada a partir da perspectiva desses territórios. “Ou seja, uma transformação inclusiva, por meio do diálogo, e não da repressão e violência”.
Por fim, é preciso atuar no judiciário. “A gente se depara com um sistema de justiça que não nos enxerga”, argumenta Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha. “A matriz do sistema de justiça é racista”, diz Maria Clara. Para alterá-la, ela defende a criação de cotas para pessoas negras no judiciário.
Os caminhos
-Criar cotas para pessoas negras no judiciário.
-Repensar a política de drogas a partir da perspectiva de favelas e periferias, pondo fim à guerra às drogas.
-Garantir reparação financeira e políticas públicas para amparar famílias vítimas da violência de Estado.
Ideias para repensar a segurança pública
O dia 14 de maio ficou marcado na memória de Ana Paula Oliveira como o dia em que Johnatha, seu filho, saiu de casa para nunca mais voltar. Ela e o menino viviam na favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro. Era uma quarta-feira e Johnatha, de 19 anos, tinha duas missões: levar a namorada para casa e, dali, fazer uma parada na casa da avó, para quem levaria uma travessa de pavê. Um trajeto simples, que foi interrompido pelo tiro de um policial. O projétil atingiu Johnatha nas costas. O ano era 2014, e o policial autor do disparo atuava numa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP): uma estratégia de policiamento de base comunitária que, quando adotada em 2008, fora apontada pelo governo fluminense como a solução para reduzir casos de violência e tiroteios nas favelas da cidade.
Desde aquela data, há oito anos, os nomes de jovens negros mortos pela bala de policiais se sucedem: Ágatha Félix, João Pedro Matos Pinto, as primas Emily e Rebecca. Como é a democracia num país onde pessoas com a mesma cor da pele de Johnatha representam 77% das vítimas de homicídios? Ou num país onde mulheres negras são 28% da população — e menos de 2% dos deputados federais e senadores eleitos? Como é a democracia num país em que povos indígenas temem ser expulsos de suas terras ancestrais? E que concentra a terceira maior população carcerária do planeta?
Na Grécia Antiga — que inventou o conceito — a democracia era definida como “governo do povo”; as decisões eram tomadas pelos cidadãos. Mas a cidadania, naquela época, não contemplava mulheres, estrangeiros e escravos. Hoje, a maioria numérica ainda não se sente contemplada por direitos que a democracia, em tese, garante. Muitos deles — o direito à vida, à demarcação de terras indígenas, à representação política, reafirmados na Constituição Federal de 1988. Como mudar esse cenário?
Em ano de eleições, a plataforma Brasil de Direitos conversou com 11 organizações sociais que atuam em todo o país (a lista completa você encontra no final deste texto). São grupos que combatem violações e lutam para promover direitos. Que trabalham, cotidianamente, para construir um país diferente — mais justo e democrático para todas e todos. Acompanhar seu trabalho ajuda a entender duas coisas: se, por um lado, o Brasil tem problemas, por outro, há pessoas (e grupos de pessoas) cujo trabalho cotidiano é lutar por um país mais inclusivo.
A seguir, essas organizações apontam quais os principais desafios da democracia brasileira hoje. São percalços que o próximo governo (e os que vierem depois) terá de enfrentar. Apontam, também, propostas de solução. Caminhos que o próximo governo — e os seguintes — poderiam seguir.
Ideias para combater a violência de Estado
O cenário
No Brasil de 2022, a maioria dos jovens mortos pela polícia é negra e pobre. Era o caso de Johnatha. O preconceito, diz Ana Paula Oliveira, mãe do rapaz, está embrenhado nas instituições. “A nossa luta não é somente contra o policial que puxa esse gatilho, é contra todo esse sistema que encarcera negros e pobres”, diz ela, que aguarda, há oito anos, pela data que vai marcar o júri popular do acusado pelo assassinato, o policial militar Alessandro Marcelino de Souza.
Ana estava dentro de um mercadinho quando ouviu os tiros que mataram o filho. O jovem morreu antes de entrar na Unidade de Pronto Atendimento. O que ficou na lembrança foram as últimas palavras trocadas na despedida e a imagem de um Johnatha sorridente, na companhia da namorada, com a travessa de pavê nos braços.
O histórico de violência da polícia contra moradores de Manguinhos culminou na criação do Mães de Manguinhos, movimento de apoio às mães das vítimas – do qual Ana Paula é cofundadora. “O movimento surge no momento em que meu filho é assassinado. Ele não vai ser só mais um número da estatística de violência. Eu vou ser a voz dele”, afirma.
O Mães de Manguinhos acolhe as mulheres e mantém viva a memória das vítimas. Organiza formações políticas, para que conheçam seus direitos. “A violência não atinge só uma pessoa. É uma família inteira que adoece, se desestrutura”, diz Ana. Ela acompanha os relatos de mães que, em sofrimento, ficam doentes e perdem os empregos. Por isso, defende o acesso a reparação financeira e políticas públicas para a reestruturação das famílias.
A violência praticada pelo Estado tem ainda outra face. As políticas de segurança pública matam mais pessoas negras. São elas, também,as que mais vão para a prisão. Entre estudiosos, o fenômeno recebe o nome de seletivismo penal. Para Maria Clara D’Ávila, assessora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco, encerrar esse ciclo de violência e encarceramento exige repensar a política de drogas aplicada no Brasil. “Não tem como combater o racismo no sistema de justiça criminal se não mudar a política de drogas”, afirma. Hoje, 66% da população carcerária brasileira é de pessoas negras. E 30% das pessoas encarceradas foram presas sob acusação de tráfico de drogas.
Na avaliação dela, a guerra às drogas impactou, especialmente, as populações que vivem em periferias e favelas. Superar esse quadro demanda que a política de drogas seja pensada a partir da perspectiva desses territórios. “Ou seja, uma transformação inclusiva, por meio do diálogo, e não da repressão e violência”.
Por fim, é preciso atuar no judiciário. “A gente se depara com um sistema de justiça que não nos enxerga”, argumenta Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha. “A matriz do sistema de justiça é racista”, diz Maria Clara. Para alterá-la, ela defende a criação de cotas para pessoas negras no judiciário.
Os caminhos
-Criar cotas para pessoas negras no judiciário.
-Repensar a política de drogas a partir da perspectiva de favelas e periferias, pondo fim à guerra às drogas.
-Garantir reparação financeira e políticas públicas para amparar famílias vítimas da violência de Estado.
Ideias para repensar a segurança pública
O cenário
No Brasil de 2022, pessoas negras são maioria em meio à camada mais pobre da população: dos 10% de brasileiros mais pobres, 75% são negros, segundo o IBGE. A estatística é reflexo da forma como a sociedade brasileira se formou, estruturada pelo racismo.
Mudar esse cenário não é tarefa fácil e envolve ações duradouras em diferentes frentes. Entre elas, a educação. Ivo Ferreira, coordenador de comunicação do Instituto Cultural Steve Biko, que promove cursos para jovens – como um pré-vestibular focado na redução do racismo –, e também Almerinda Cunha, fundadora da Associação de Mulheres Negras do Acre, ressaltam que é por meio do aprendizado com consciência negra que os cidadãos devem ser formados e descobrir o direito à participação política. “Não adianta educar para o individualismo. A sociedade, educada assim, inevitavelmente vai por um caminho autoritário. Educar para a coletividade abre o diálogo para haver democracia”, argumenta Ferreira.
Almerinda conta que teve a “sorte”, como ela mesma diz, de nascer em uma família que lhe permitiu escolher o seu caminho. Tornou-se pedagoga. “Fui muito pobre, mas tive uma mãe que cuidava de mim, mesmo ao passar fome. A miséria só não me danificou muito porque eu tive um lar”, afirma. No entanto, muitas crianças não conseguem seguir esse caminho. Os negros representam 71,7% dos dez milhões de jovens que abandonam as escolas sem ter completado a educação básica, conforme o IBGE. A maior parte precisa trabalhar.
“Falta uma educação reflexiva sobre os problemas sociais. Precisamos enfatizar o pertencimento étnico. Mostrar a beleza da cor que nós temos, do nosso cabelo”, afirma Almerinda. Na teoria, isso já existe. A lei 10.639, de 2003, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira. Quase vinte anos depois, muitos educadores sequer sabem disso. “A lei é ignorada. Existem ações isoladas dos professores, mas não se pode dizer que esteja implementada nas escolas”, explica a pedagoga.
Por isso, Almerinda e Ferreira defendem que a solução depende do envolvimento do poder público. “Hoje, temos o reflexo do não investimento da educação no Brasil. É importante que as pessoas percebam que o extermínio da população negra não é só pela bala. É também pela falta de acesso à educação”, ressalta Almerinda. “É preciso ouvir as comunidades de base. Cada uma vai contribuir com uma peça para construir a solução”, complementa Ferreira, coordenador de comunicação do Steve Biko.
Para os organizadores do curso pré-vestibular comunitário do Steve Biko — que incorporava conhecimentos da ancestralidade negra — a educação nesses moldes fortalece identidades. “O George [Oliveira, gestor do Instituto] chega na quebrada dele com livros, e um garotinho dessa favela que só conhecia o poder das armas, vê pela primeira vez esse outro tipo de poder”, afirma Ivo.
Os caminhos
-Reforçar a importância da lei 10.639, de 2003, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira
-Incorporar conceitos da ancestralidade negra aos currículos escolares
-Educar para o pertencimento racial
Ideias para promover os direitos de povos indígenas e populações tradicionais
O cenário
São várias as previsões legais de defesa dos direitos dos povos indígenas, como a existência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Estatuto do Índio. Mas as dificuldades enfrentadas por essas populações evidenciam a necessidade de atualizar e consolidar direitos conquistados. Há muito em jogo. O garimpo em terras indígenas avança, e tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 191/2020, que autoriza mineração e outras atividades nesses territórios. Uma projeção realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcula que, se aprovado, o PL pode contribuir para o desmatamento de 862 mil km2 de florestas na Amazônia, além da exposição dos povos indígenas à violência.
Também paira a expectativa da retomada do julgamento do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com a ação, o reconhecimento das terras indígenas dependeria da comprovação de que esses grupos ocupavam os territórios que reinvindicam antes de outubro de 1988, quando entrou em vigor a Constituição Federal.
Tonico Benites, antropólogo Guarani-Kaiowá, enumera desafios: “A falta de demarcação de terras é o primeiro, e o que já foi homologado tem sido cancelado. Os povos também sofrem com violência física, extermínio. Os direitos conquistados podem ser eliminados de novo. Para a democracia acontecer, é preciso diálogo”.
Essa necessidade também é reivindicada pelas populações tradicionais da Amazônia. Embora o bioma ocupe quase metade do território nacional, a percepção de ativistas e movimentos sociais é de que as grandes decisões políticas sobre a região são tomadas principalmente em Brasília e no Sudeste do país.
Luis Claudio Teixeira considera como desafio a inclusão da Amazônia nos planos do estado brasileiro. Ele é militante do Movimento Xingu Vivo, que tem como principal tema de discussão as consequências do complexo hidrelétrico de Belo Monte, construído na bacia do rio que nomeia a organização. Além de ter causado estragos ambientais, o projeto de R$ 30 bi forçou a migração dos povos tradicionais. “A Amazônia só interessa para um projeto desenvolvimentista ou autoritário. Os interesses são os de quem está fora”, afirma.
Apesar de considerada distante, a proposta de intervenção é relativamente simples: “As populações tradicionais devem ser levadas em consideração. Os povos amazônicos excluídos precisam ser inseridos na economia e no trabalho”, propõe. Tonico Benites complementa: “É preciso recriar órgãos [como a Funai] e ter políticas participativas. Nos casos de remoções forçadas, os povos indígenas devem ser indenizados e ter direito às terras demarcadas”.
Os caminhos
-Criar políticas que permitam a inclusão econômica de populações tradicionais, respeitando seus modos de vida e o meio ambiente.
-Fazer cumprir a Constituição Federal, que garante aos povos indígenas o direito sobre seus territórios ancestrais
-Repensar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) para que defenda os interesses desses povos
Ideias para combater a LGBTIfobia
O cenário
A lista de congressistas e governadores mostra que a maioria dos políticos eleitos são homens brancos heterossexuais. Nas eleições municipais de 2020, a eleição de vereadoras transexuais, como Érica Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), foram motivo de comemoração. Ao todo, foram 100 representantes eleitos em câmaras municipais do país, segundo o Programa Voto com Orgulho da Aliança Nacional LGBTI+, que também apresentou a meta de ter mil candidatos ao Senado, à Câmara e às assembleias legislativas em 2022.
Mas ainda são poucos os políticos ligados à pauta que se firmam no cenário nacional. Ainda há os que são assumidamente homossexuais, mas não carregam a causa como bandeira – caso do ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Caio Klein, diretor-executivo da ONG Somos, cita esse caso como exemplo de como a representatividade, por si só, não garante a promoção dos direitos desse grupo. “Gostaríamos de uma democracia mais representativa da realidade da população”, afirma o diretor-executivo do grupo que atua justamente no RS.
Da maior representação desses grupos, o resultado esperado seria a consolidação de direitos. “Políticas LGBT devem ser de Estado e ainda são de governo. Quando muda o governo, tudo pode ser anulado”, diz Rildo Veras, presidente do Movimento LGBT+ Leões do Norte, que atua em Pernambuco. “Muitos serviços, principalmente na política de assistência, estão minguando por falta de investimento”, afirma Caio Klein.
Outro desafio é o combate aos crimes de ódio. “Isso acontece também em casa. A partir do momento em que não tenho dignidade na minha família, a sociedade, a rua e a escola são um reflexo disso”, explica Veras. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta Pernambuco, onde o Leões do Norte atua, como recordista em crimes contra a população LGBTI+, com 604 ocorrências de lesão corporal dolosa em 2020, 79% a mais do que no ano anterior.
No combate a essa realidade, Caio Klein frisa: “É preciso que se invista num ensino cidadão e voltado para os direitos, para que as pessoas entendam as obrigações do Estado”. A formação de lideranças e o diálogo entre movimentos sociais e poder público também são um caminho.
Os caminhos
-Criar políticas de Estado para proteger a população LGBTQIA+ que tenham previsão legal, de modo que sobrevivam à mudanças de governo.
- Investir num ensino cidadão e voltado para a promoção de direitos, para que as pessoas entendam as obrigações do Estado.
Ideias para ter mais mulheres na política
O cenário
As mulheres brasileiras são sub-representadas na política. São mais da metade da população, mas 17% dos parlamentares*. No caso das mulheres negras, o quadro é ainda pior — elas representam 28% dos brasileiros, mas respondem por menos de 2% dos assentos no legislativo federal.
Para Almerinda Cunha, coordenadora da Associação de Mulheres Negras do Acre, aumentar a participação feminina na política institucional é também uma responsabilidade do poder público. Para ela, o Estado deve adotar políticas que incentivem mulheres a disputar espaços na política — e que garantam que elas tenham viabilidade nessa disputa. “Uma das sugestões é trabalhar a capacitação. A formação é uma estratégia para empoderá-las, para que elas dominem o conhecimento”, afirma. Ela defende campanhas e ações específicas, como a própria Associação de Mulheres Negras do Acre realiza, para que as mulheres descubram o poder de exercer a sua cidadania. “Nós estamos fazendo uma formação de gênero e raça, convidando mulheres e representantes de órgãos governamentais. Queremos mostrar dados sobre a violência, o quanto somos discriminadas no trabalho e em todos os sentidos. [Nós vamos] capacitá-las mostrando o marco regulatório das políticas para as mulheres, a Constituição Federal, a Declaração de Direitos Humanos”, exemplifica.
Jovanna Cardoso da Silva, presidente do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negros e Negras (Fonatrans), aponta outra barreira à eleição de mulheres (inclusive mulheres transexuais): a resistência dos partidos. Neste ano, o Fonatrans planeja pressionar as legendas, para que apoiem as candidatas com recursos financeiros e tempo de TV, de modo que elas ganhem fôlego na disputa. “Vamos cobrar que essas pessoas tenham espaço no horário eleitoral. Elas têm de poder recorrer à estrutura dos partidos”, conta.
Os caminhos
-Cobrar do Estado programas que capacitem mulheres para conhecer direitos e disputar cargos públicos.
-Pressionar partidos políticos, para que apoiem suas candidatas
Ideias para promover os direitos de crianças e adolescentes
O cenário
Embora o direito à manifestação seja garantido por lei, a ocupação em escolas públicas em todo o país, entre 2015 e 2016, dividiu opiniões. Essas articulações foram lideradas por jovens entre 15 e 17 anos. Os dispositivos que garantem a eles o direito à cidadania são recentes: tanto o direito ao voto a partir dos 16 anos quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente têm menos de 35 anos. Efetivá-los é o desafio apresentado por Marina Araújo, do Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará). Para ela, que é membro da coordenação da organização, consolidar esses direitos é necessário para a democracia.
Há também dificuldades relacionadas às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Durante a pandemia, por exemplo, foi tolhido o acesso à educação, levando à evasão escolar. Segundo relatório da organização Todos Pela Educação divulgado no final de 2021, 244 mil pessoas entre 6 e 14 anos estavam fora da escola. Um salto de 171% na comparação com 2019. Além disso, antes da Covid-19, já havia mais de 1,7 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no país. “Isso mostra o quanto esse público sofre com a omissão do Estado”, explica Marina.
Em muitos casos, é necessário que se fale pelas crianças, como em situações de vulnerabilidade. Mas há maneiras para que os menores exerçam seu papel na democracia. “Temos mais de seis milhões de adolescentes com direito a voto nas eleições de 2022”, aponta. Ela cita, também, as ocupações de escolas como exemplos de participação política. “Eles sentaram nas mesas de negociação, e conseguiram, como vitória, a garantia de mais investimentos e melhoria nas escolas públicas”.
Os caminhos
- As instituições devem ouvir o que crianças e adolescentes têm a dizer, e incentivar sua participação política.